Papa Leão XIII fazia propaganda do Vin Mariani, bebida com alto teor de cocaína

DO PÓ VIESTE...

Branca, brilho, brizola, pó, neve, coca; vários são os apelidos da cocaína, narcótico que tem flagelado a civilização e colocado cidades como o Rio de Janeiro à beira da barbárie. Restrita originalmente ao Peru e o Equador, a coca teve seu uso estimulado e disseminado pela Igreja Católica, que foi também a primeira no mundo a negociar a droga.

Há mais de 2.500 anos, tribos das regiões altas dos Andes mascam folhas de coca (Erythroxylon Coca) como antídoto para os efeitos das elevadas altitudes sobre o corpo humano. Planta sagrada para os Incas, inicialmente tinha seu uso restrito para fins medicinais ou religiosos pelos sacerdotes. Quando os espanhóis invadiram o Peru, os padres logo perceberam que o uso ritualístico das folhas pelos nativos seria um obstáculo à catequese e por isso, em 1569, conseguiram que a Santa Sé decretasse a erradicação da planta, sob a alegação de que ela tinha propriedades demoníacas.

Nesse interim, entretanto, os invasores repararam que quando os índios - escravizados e trabalhando nas minas de prata de Potosi - mascavam as folhas, a produção aumentava. Começaram, então, a estimular o seu consumo clandestino e, estrategicamente, assumiram o monopólio da sua produção e distribuição, a despeito da proibição católica. Em troca da sua própria coca, os índios se submeteram completamente aos espanhóis. 

Satisfeito com o êxito da exploração de prata no Peru, o Rei Felipe II, da Espanha, declarou que a coca era um produto benéfico para os nativos andinos. Tal consideração do soberano valorizou o valor das folhas a ponto de os conquistadores passarem a usá-las como moeda, em substituição ao ouro e à prata. Não sendo conveniente enfrentar o rei espanhol, a Igreja revogou a restrição à planta, mas impôs a cobrança de uma taxa de 10% sobre toda a coca produzida. Foi assim que a Igreja Católica Apostólica Romana tornou-se o primeiro "traficante" desta droga no mundo e mais uma vez aumentou o seu tesouro.

Se antes da invasão espanhola o uso das folhas era restrito ao ritualístico e medicinal, agora, ao contrário, os padres estimulavam o consumo por toda a população nativa. Pelas mãos dos espanhóis, as plantações se espalharam pelo norte do Peru, Bolívia, parte do Chile e norte da Argentina. A movimentada Potosi, no século 16, tinha uma população comparável às das maiores cidades da Europa, e o valor das folhas de coca consumidas anualmente na cidade equivaliam a meia tonelada de ouro, segundo cotação da época.

No século 19, o alcalóide da coca - a cocaína - fazia parte de fórmulas medicinais. Suas propriedades anestésicas e estimulantes garantiram o sucesso de muitos remédios e geraram fortunas, a exemplo do vinho tônico de Angelo Mariani (Vin Mariani), no qual a Igreja tinha interesses. Esta bebida era consumida inveteradamente pelo Papa Leão XIII, que chegou a fazer anúncios enaltecendo suas qualidades e a condecorar o seu produtor com a medalha de ouro do Vaticano. O Vin Mariani levava a absurda quantidade de 250 mg de cocaína por litro; a Coca-Cola, que manteve o alcalóide em sua fórmula até 1923, não usava mais de 7 mg/litro. 

Próximo do século 20, a cocaína era um remédio para todas as doenças e foi usado por personalidades como Júlio Verne, Thomas Edison, Sigmund Freud, Sir Arthur Conan Doyle e Alexandre Dumas. Com a descoberta de suas propriedades narcóticas, seu uso foi legalmente restringido a partir de 1922.

A cocaína deriva da folha do arbusto da coca, do qual existem variedades como a boliviana (huanaco), a colombiana (novagranatense) ou a peruana (trujilense). A planta possui 0,5% a 1% de cocaína e pode ser produtiva por períodos de 30 ou 40 anos, com cerca de 4 a 5 colheitas por ano. O Peru é maior produtor mundial da planta.

Celso Serqueira e-mail do autor

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