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Região da Costa da Mina no mapa "L'Afrique", Nicolas de Fer, Paris, 1717

 

PRETA ROSA, A 'FLOR DO RIO DE JANEIRO'

Introdução: Esta série de cinco artigos é um resumo do precioso trabalho de pesquisa feito pelo historiador Luiz Mott nos arquivos da Inquisição, em 1983. Só então foi revelada esta fantástica personagem que tanto influenciou a vida carioca em meados do século 18 e que jamais constou de nossa história oficial. Os créditos e fontes são relacionados na última parte.

Parte 1 de 5

Primeira mulher negra a escrever um livro no Brasil e primeira "santa" carioca, Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz foi venerada pelos cariocas na década de 1750. Milagrosa ou embusteira, nem a Inquisição soube dizer e o culto à "Flor do Rio de Janeiro" sobreviveu na memória popular por mais de 150 anos.

Rosa era uma negrinha africana da Costa de Mina, que chegou ao Rio em 1725, com seis anos de idade, capturada por mercadores de escravos. Comprada por José de Souza Azevedo, foi batizada na Igreja da Candelária e por oito anos serviu sexualmente a este dono. Aos 14 anos, foi vendida para a cidade de Mariana, região que fervilhava com a exploração de ouro e absorvia em média 2.300 escravos por ano, enviados do Rio de Janeiro. Ao chegar naquela capitania, em 1733, Rosa encontrou mais de 100 mil cativos como ela.

A compradora fora Dona Ana Garcês de Morais, de tradicional família colonial, que enviou-a para o arraial do Inficcionado, a duas léguas de Mariana, para trabalhar como prostituta. Para se ter idéia de como essa atividade era rentável na época, basta dizer que existia apenas uma mulher para cada 80 mineradores, e não raro o gozo era recompensado com ouro em pó.

Assim viveu a Preta Rosa dos 14 aos 29 anos de idade, até que surgisse em sua vida o "Espírito do Maligno": ao completar 30 anos, passou a ter estranhos sintomas, como rosto inchado, dores no estômago e desmaios. Temerosa de que fossem conseqüências da vida pecaminosa que levava, decidiu abandonar a prostituição e, por volta de 1748, vendeu seus poucos bens e roupas, distribuindo o dinheiro entre os pobres. Adotou vida beata, freqüentando os ofícios divinos e liturgias. 

Numa dessas ocasiões, conheceu o padre Francisco Gonçalves Lopes, que chamava a atenção popular fazendo fantásticos exorcismos públicos em pessoas simples (algo como a atual "sessão do descarrego" praticada pela Igreja Universal). O padre era português do Minho e vigário da freguesia de São Caetano, perto do Inficcionado. Sua espetacular prática em tirar o demônio das pessoas lhe valera o apelido de "Xota-Diabos".

  (continua... )
Celso Serqueira