Planta da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, de Renouard, 1817

A FEITICEIRA DO RIO ANTIGO 

Parte 1 de 2

Antigo endereço residencial da cantora Carmem Miranda e atual reduto da boemia carioca, a Travessa do Comércio, na Praça XV, tornou-se famosa pelo arco construído sobre ela, no século 18 - o Arco do Telles.

O que pouca gente sabe (e quem sabe não comenta) é que o beco debaixo do arco esconde muitos dramas e alguns mistérios. Há quem o considere um lugar maldito e garanta que é mal assombrado. Dentre os diversos episódios estranhos que envolvem o lugar, veremos um dos mais terríveis: a história de uma das primeiras feiticeiras do Rio de Janeiro, certamente a mais cruel. Desculpem-me pelo relato forte e chocante. Todos os fatos que vou citar ocorreram e estão registrados em documentos antigos da polícia carioca.

Com a construção da Casa do Governo pelo governador Gomes Freire no Largo do Paço (atual Praça VX), as redondezas se valorizaram e passaram a ser freqüentadas pela sociedade. Vendo isso, o português Antônio Telles Barreto de Menezes (juiz e proprietário de terras em Jacarepaguá e Baixada Fluminense) mandou construir uma carreira de casas de aluguel naquele logradouro, em 1743.

Quando a obra chegou à travessa do Mercado do Peixe, o engenheiro Alpoim (responsável pelo projeto) teve que traçar um amplo arco sobre ela, para que a via dos mercadores não ficasse obstruída pela nova construção. Vem daí o apelido de "Arco do Telles". Os prédios foram todos alugados, ficando os térreos principalmente para os lojistas de secos e molhados; a casa maior, justamente a que ostentava o arco, foi ocupada pelo Senado da Câmara (equivalente hoje à Câmara dos Vereadores). 

A má sina daquele local iria se revelar nessa época, mais exatamente em 20 de julho de 1790, na loja térrea próxima à rua Direita, onde existia uma loja de objetos usados denominada curiosamente de "O Caga Negócios". Um violento incêndio criminoso destruiu o prédio e deixou dezenas de feridos e dois mortos. O fogo atingiu o andar superior e consumiu o arquivo do Senado da Câmara, perdendo-se assim toda a documentação referente aos primórdios da cidade, inclusive os recibos e cobranças de foros (espécie de IPTU) e os registros gerais de imóveis.

A partir desta tragédia, aquela área perdeu o viço e caiu em decadência, transformando-se em abrigo da malandragem e ponto de prostituição. Apesar de haver ali um oratório de N. Sra. dos Prazeres, a baixaria era tão grande que moradores das proximidades removeram a santa para a Igreja de Santo Antônio dos Pobres, onde permanece.

Foi nesse ambiente nefasto, em meio à escória da cidade, que Bárbara dos Prazeres certa noite apareceu, rompendo a penumbra do beco do Arco dos Telles. Começava ali uma história de pavor.

(continua...)

Celso Serqueira e-mail do autor

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