A HISTÓRIA SUBMERSA DA REPRESA DE LAJES Esta é mais uma daquelas histórias que nossos livros escolares não contam ou o fazem superficialmente. Mais um episódio dramático da
vida brasileira que se perde no tempo pela falta de credibilidade de nossa historiografia oficial.
Parte 1 - O
Esplendor A Represa do Ribeirão das Lajes
abastece o Rio de Janeiro com 90% da água potável e faz funcionar a hidrelétrica de Lajes, a 50 km da capital. Nesta série, você verá que nem tudo é
paz e tranqüilidade sob as calmas águas azuis dos enormes lagos que serpenteiam entre as montanhas da Serra das Araras, reduto de hotéis-fazenda,
casarões campestres e resquícios da história colonial.
Esta história pode ser contada a partir da biografia de uma das maiores cidades
fluminenses do século 19, a então riquíssima São João Marcos, anteriormente conhecida como Vila de São João Príncipe. Nos idos de 1700, o
desbravamento pelos bandeirantes da região do Vale do Rio Paraíba compreendida entre Resende (antiga "Campo Alegre de Paraíba Nova") até a cidade de
Paraíba do Sul possibilitou a construção de uma estrada real para que os paulistas pudessem enviar, com segurança, os quintos do ouro para o Rio de
Janeiro.
Este caminho serviu de esboço para a atual rodovia Presidente Dutra (Rio-S. Paulo) e foi o principal acesso, no século seguinte,
para as centenas de fazendas que transformaram o sudoeste fluminense numa das regiões mais ricas não apenas do Brasil, mas do mundo. São João Marcos
era um dos principais núcleos produtivos - 2 milhões de arrobas de café por ano - e estava numa posição geográfica privilegiada: no centro da área
produtora, na confluência de grandes rios, próximo à capital (Corte) e com ligação direta com o mar via Mangaratiba - estas vantagens, paradoxalmente,
colaboraram para a tragédia da cidade, como veremos mais adiante.
Terra natal do Prefeito Pereira Passos e do
ministro e acadêmico da ABL Ataulfo de Paiva, São
João Marcos viveu intensamente o brilho da era dos barões do café, no século XIX: foi uma das mais importantes cidades, com 20.000 habitantes,
teatros, escolas públicas e fábricas.
Artistas de óperas e músicos conhecidos eram trazidos do exterior para se apresentarem nos diversos
teatros da sociedade local (as ruínas de um deles existem até hoje, à beira da rodovia Rio-Santos, em Mangaratiba); as muitas famílias abastadas
contratavam governantas estrangeiras e professores particulares (preceptores)
para educação privada de suas crianças; bibliotecas inteiras e
instrumentos musicais chegavam em carroças e lombo de mulas; arquitetos e mestres-de-obras famosos eram
chamados para erguerem novas casas e
prédios públicos.
Também foi em São João Marcos que construíram a primeira estrada de rodagem do Brasil, em 1856, com 40 km de extensão,
para escoar o café das fazendas do Vale do Paraíba para o Porto de Mangaratiba. No sentido inverso, em tráfego intenso, subiam mercadorias e escravos,
muitos escravos. Só o maior fazendeiro da região e homem mais rico do Brasil em todos os tempos, o Comendador Joaquim José Breves, considerado "o rei
do café" no Brasil Imperial, tinha oficialmente 6 mil negros - na realidade, especula-se que tivesse o dobro disso, contando os não registrados.
Como berço da expansão cafeeira no Vale do Paraíba, São João Marcos abrigou em suas terras os mais poderosos e abastados fazendeiros do País e
suas plantações abasteceram o mercado europeu do século XIX. Mas seu fim estava próximo e seria marcado por uma longa e incrível sucessão de
acontecimentos sombrios. (continua...)
Celso Serqueira
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