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América do Sul, por Ortelius, ano 1570

 

DEITADO ETERNAMENTE

Parte 2 de 4

Voltando ao papo do cunhado bêbado com a prima professora e ao risole amassado, o que se pode concluir é que os portugueses só construíram no Brasil aquilo que foi estritamente necessário para melhor explorar os papagaios, macacos, pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e diamantes. Nem uma pedrinha foi colocada que não se destinasse a gerar dinheiro. Se a lógica lusitana se limitasse a esta mentalidade extrativista e predatória, não teria sido tão mal. O problema é que se eles não nos traziam progresso, tampouco nos deixavam progredir.

Para piorar, o rei D. João V, impressionado pela cultura iluminista, planejou tornar a acanhada Lisboa num opulenta cidade equiparável às mais suntuosas capitais européias, e para isto contava com o suporte financeiro resultante do ouro, dos diamantes e de açúcar, fumo, couro e especiarias provenientes daqui. Não havia, portanto, o menor interesse no desenvolvimento brasileiro, mas somente nas nossas riquezas.

País trancado

No início do século 18, o Brasil passou a transformar-se rapidamente por causa da descoberta de ouro e diamantes na Minas Gerais. Milhares de escravos, aventureiros, garimpeiros, tropeiros e comerciantes correram ao novo eldorado. A necessidade de produtos e serviços cresceu abruptamente e havia dinheiro para pagar por elas, mas o governo português não aprovava toda essa movimentação por achar que o progresso da colônia tornaria dispensáveis os produtos trazidos de Portugal. E tomou uma decisão drástica e perniciosa: isolar o território brasileiro e torná-lo dependente de Lisboa para quase todas as necessidades.

Nessa época, o Brasil não era mais que um imenso fornecedor de matérias-primas. Embora não existisse o termo "valor agregado", o conceito era bem conhecido, como se vê neste parecer de um conselheiro ultramarino: "A condução dos gêneros para o Reino deve ser na forma mais simples possível, sem mudar a espécie - o açúcar em grão, e não em doces; o cacau em grão, e não em chocolate; o tabaco em corda, e não em pó; o couro em sola, e não em sapatos; o ouro em barra, e não em moedas". O motivo para esta exigência estava claro: "Os gêneros nas suas formas mais simples, tem menos valor quando lhes falta de composição; e dão mais que obrar aos oficiais do Reino".

Entre várias medidas destinadas a manter o Brasil apenas como celeiro português, sobressaem a total dependência do comércio com Portugal e as proibições de compra e venda a países estrangeiros, de instalação de indústrias e de abertura de universidades. Nenhum navio estrangeiro podia aportar na costa brasileira a menos que estivesse em situação de emergência, como doenças a bordo ou necessidade de reparos na embarcação, e mesmo nestas condições os tripulantes e os passageiros eram proibidos de desembarcar. Durante quase um século, cidades como Salvador e Rio de Janeiro foram isoladas do mundo e seus portos proibidos a todas as nacionalidades, exceto a portuguesa (e a inglesa, extra-oficialmente). 
(continua... )

 
Celso Serqueira