UMA PRESEPADA AMAZÔNICA
Em maio de 1913, todo o mundo dirigia sua atenção ao Brasil, onde o ex-presidente norte-americano Theodore Roosevelt iniciava uma expedição pela
misteriosa Amazônia.
Roosevelt era uma espécie de Fernando Collor: adorava publicidade e era mestre em gerar fatos que o colocassem
em evidência - presidente mais jovem dos EUA, primeiro a vir de uma metrópole, único que tinha sido cowboy, primeiro a ganhar um Prêmio Nobel e a
viajar de aeroplano (dos irmãos Wright) e de submarino, etc. Um de seus passatempos prediletos era a caçada de elefantes na África.
A
expedição amazônica, oficialmente, tinha como objetivo a coleta de amostras de flora e fauna para o museu de história natural americano. Na realidade,
era mais um projeto de marketing para os EUA, de olho na riqueza mineral da região e na exploração da borracha. A viagem foi coordenada pelo Marechal
Rondon que, em conluio com os americanos, elaborou o que mais pareceu um "tour" do que uma expedição. Vários jornalistas seguiram na comitiva e,
naturalmente, com razoável conforto nos acampamentos.
Não desprezando as muitas outras cenas montadas para filmar e fotografar Roosevelt
"desbravando" a Amazônia, o cúmulo da presepada foi protagonizado por Rondon, que fez o americano "descobrir" um rio que o próprio marechal já
conhecia havia três anos e batizara como Rio da Dúvida (por não saber em que ponto do Madeira ele desaguava).
Roosevelt foi postado à margem
do rio e, cercado pelos jornalistas, "achou" o pequeno afluente do Madeira, que foi então (re)batizado como "Rio
Theodoro". A notícia foi manchete em
todo o mundo e valeu mais um título a Roosevelt: o único presidente americano que dera seu nome a um rio (ele também emprestou o nome a uma espécie de
veado, o "Cervus Roosevelti", e a um ursinho de brinquedo, mas isto é pouco divulgado).
Dentre as várias ações sensacionalistas que Rondon
havia preparado para agradar aos jornalistas americanos, uma se referia à piranha. Semanas antes de a expedição chegar próximo ao Rio da Dúvida,
caboclos e pescadores separaram uma parte do rio com redes e nele depositaram centenas de piranhas vivas, pescadas em pontos diversos.
Durante
a comemoração no acampamento armado na margem do agora Rio Theodore, Rondon, com expressão séria, alertou a todos para que não entrassem na água, pois
ali havia os terríveis peixes carnívoros. Todos pensaram que era gozação do marechal e desandaram a rir.
Foi então que Rondon,
teatralmente, disse aos fotógrafos e cinegrafistas para ficarem a postos e mandou pegar um boi, fez sangrarem as pernas dele e jogarem-no dentro do
cercado infestado de piranhas famintas. Ora, nessas condições, o coitado do bovino rapidamente foi reduzido a um monte de ossos, o que garantiu novas
manchetes sensacionais em todo o planeta: ¨Rios da América do Sul infestados de peixes canibais!"
O nome
"Theodoro" (trocaram o "e" final por
"o" para abrasileirar a pronúncia) não pegou e os
ribeirinhos continuam chamando o afluente de Rio da Dúvida em seu alto curso, Rio Castanho no médio e Aripuanã no seu baixo leito. Oficialmente,
o IBGE o denomina de Rio Roosevelt; a maioria dos americanos,
entretanto, usa o nome completo, Rio Theodore Roosevelt, ou apenas
Rio Theodoro; o site
do ex-presidente americano cita as formas separadas como válidas (Rio
Theodore
ou Rio Roosevelt). É uma salada fenomenal. Pode-se dizer que, na prática, o Rio da Dúvida foi rebatizado duas vezes
, primeiro como Theodoro e depois
como Roosevelt. Dessa expedição
surgiu o livro "Nas Selvas do Brasil", onde o ex-presidente desfia as suas bravatas.
Naquele tempo não havia camiseta com inscrições de
efeito nem os portões da Casa da Dinda. Celso Serqueira | |
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