Detalhe de "Planta do Largo do Paço", autor desconhecido, séc.19

O PRIMEIRO BAILE DE TRAVESTIS DO BRASIL

Largo da Polé (forca), Largo do Carmo, Largo do Paço e Praça XV. Vários foram os nomes desse logradouro onde a cidade iniciou sua expansão ao descer do Morro do Castelo. No final do século XVII, havia ali algumas casas de aluguel que pertenciam ao Convento do Carmo. A Câmara de Vereadores adquiriu estes imóveis e em seu lugar ergueu a Casa da Moeda e o Armazém Real. E foi nesse cenário que aconteceu nossa história de hoje.

Em 1733, Gomes Freire de Andrade (Conde de Bobadela) assumiu o governo da Capitania do Rio de Janeiro e incumbiu o engenheiro Brigadeiro José Pinto Alboim de preparar a nova sede da Capitania. O militar aproveitou as construções existentes no Largo do Carmo, acrescentando-lhes dois pavimentos, entre outras modificações. No térreo da fachada continuaram a funcionar o Real Armazém e a Casa da Moeda. O conjunto arquitetônico foi finalmente inaugurado em 1743, no local onde hoje está o Paço da Praça XV.

O governador tinha muito orgulho do prédio que mandara construir e não perdia oportunidade de mostrá-lo a convidados e autoridades. Uma dessas ocasiões ocorreu em setembro de 1757, quando ofereceu um baile aos oficiais franceses da esquadra do Conde D'Aché, que fazia visita oficial à cidade. O conde francês havia recepcionado Gomes Freire a bordo de um de seus navios, e o governador, polidamente, convidou-os para jantarem na Casa do Governo, em retribuição à gentileza. 

Neste ponto os relatos não são claros, mas tudo indica que o francês pediu a Gomes Freire que oferecesse aos oficiais um baile ao invés de um jantar. Sabe como é, os rapazes, há tanto tempo no mar, certamente apreciariam muito usufruir a presença feminina, coisa e tal. O governador concordou e marcou dia e hora para a festa.

Ocorre que naquele tempo, numa cidade provinciana como era o Rio de Janeiro, as mulheres não circulavam livremente na rua, e quando o faziam, em alguma necessidade, era com seus maridos ou suas mães. No máximo, iam à missa no domingo e sempre acompanhadas. A restrição se tornou ainda mais rigorosa quando os cariocas souberam da chegada dos franceses e da proximidade do baile: trancaram em casa as fêmeas de todas as idades.

O governador não se desesperou. Quando os franceses chegaram na Casa do Governo, festivamente decorada e com a orquestra tocando animadamente, não encontraram as tão desejadas mulheres e sim dezenas de rapazes travestidos. Interpelado pelo Conde, Gomes Freire explicou que o povo não permitira a saída das mulheres para a festa, e esperava "que eles se contentassem com o que ele pôde conseguir". Consta que os franceses ficaram decepcionados, mas nem por isso desistiram do baile, que correu animadíssimo, com muito riso e dança, até quase o dia raiar. Parece que se contentaram.

Os travestis eram jovens grumetes (espécie de aprendiz de marinheiro) brasileiros "convocados" à força para a ocasião.

No mapa acima, destaque para os prédios unidos por dois passadiços, na área circundada em vermelho. Com a vinda da Corte, em 1808, o Paço foi ligado ao Convento do Carmo por um passadiço, estabelecendo-se ali a Rainha D. Maria I, a Real Ucharia, o Real Gabinete de Física e, depois de 1810, a Real Biblioteca. Um outro passadiço foi construído, ligando o Paço ao antigo sobrado da Casa de Câmara e Cadeia, adaptada para acomodação de funcionários da Casa Real.

Celso Serqueira e-mail do autor

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