Um caminho entre ruínas e renascimentos
Imagine trafegar por uma estrada que guarda não apenas histórias do passado colonial brasileiro, mas também os ecos de uma cidade submersa. A estrada São João Marcos, localizada no estado do Rio de Janeiro, é muito mais do que um percurso: é um elo entre tempos, povos e identidades que resistiram à passagem dos séculos.
Nesse artigo, vamos explorar a história singular dessa estrada, a trágica história da cidade que lhe deu nome, e os recentes projetos de revitalização que trouxeram nova vida ao local. Um trajeto onde passado e presente se encontram na poeira da memória e nas curvas do asfalto.
São João Marcos: a cidade que afundou para a energia subir
Antes de explorarmos a estrada, é essencial entender a origem de seu nome. São João Marcos foi uma próspera cidade colonial fundada no século XVIII, em meio ao ciclo do café. Localizada na região do Médio Paraíba, entre Rio Claro e Rio das Flores, a cidade tinha características marcantes: sobrados imponentes, igreja matriz, ruas calçadas com pedras e uma vida cultural efervescente para os padrões da época.
No entanto, tudo mudou em 1940, quando o progresso bateu à porta com força. O governo federal, em parceria com a Light (companhia de energia elétrica), decidiu construir a Represa de Ribeirão das Lajes para abastecer o Rio de Janeiro. E adivinha quem estava no caminho? Sim, São João Marcos.
A cidade foi evacuada e demolida. Casas foram destruídas, a igreja implodida. Moradores foram obrigados a se mudar. Uma cidade inteira varrida do mapa por conta do desenvolvimento energético. Ironicamente, parte do terreno sequer foi completamente submersa, mas a destruição já era irreversível.
A estrada como testemunha do que restou
Com o passar do tempo, a floresta começou a tomar de volta o que era seu. A vegetação cobriu ruínas, apagou trilhas. Mas uma parte resistiu: a estrada que levava até a antiga cidade. A Estrada São João Marcos permaneceu – vestígio silencioso e persistente do que um dia foi um centro urbano cheio de vida.
Durante décadas, a estrada foi sendo esquecida, usada eventualmente por moradores de áreas vizinhas e aventureiros curiosos. Mas, recentemente, o cenário começou a mudar – e para melhor.
O que motivou a revitalização da estrada?
O interesse crescente por turismo histórico e ecológico reacendeu a importância da Estrada São João Marcos. Além disso, iniciativas culturais lideradas por institutos de preservação e movimentos locais começaram a chamar atenção para o potencial patrimonial e educacional da área.
A Light, hoje ciente de seu papel histórico, assumiu parte da responsabilidade. Com apoio de ONGs, universidades e o poder público, passou a investir na recuperação da estrada e das ruínas de São João Marcos. Dessa junção nasceu o Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos, inaugurado em 2010.
E o que isso significa, na prática?
- Restauro e sinalização de pontos históricos ao longo do antigo caminho;
- Construção de centro de visitantes, com exposições interativas;
- Trilhas guiadas com placas explicativas e QR codes informativos;
- Oficinas e eventos educativos para escolas e universidades;
- Estímulo ao turismo regional, com foco em sustentabilidade e cultura.
Um mergulho no passado… a céu aberto
Quem visita hoje a região de São João Marcos encontra uma experiência única. Caminhar pela antiga estrada é como folhear um livro de história em escala real. Mesmo para aqueles que não são aficionados por arqueologia ou história colonial, o lugar surpreende pela beleza telúrica e o senso de descoberta. Tudo ali parece sussurrar histórias esquecidas.
Você pisa onde pessoas viveram, construíram famílias e sonhos, e depois foram obrigadas a deixar tudo para trás. É impossível não sentir um certo arrepio ao observar as pedras da antiga matriz ou os vestígios das casas que um dia ecoaram risadas — e talvez, lamentos.
Legado, memória e o presente em movimento
O projeto de revitalização vai além da preservação física. Ele promove também a preservação da memória coletiva. Vários descendentes dos antigos moradores ainda vivem na região, e muitos deles participam das atividades culturais, compartilhando suas histórias e lembranças.
Essa integração entre comunidades locais, visitantes e historiadores cria um ecossistema vivo. Um passado ativo, útil, que educa. E aqui entra a beleza do modelo aplicado em São João Marcos: ele tem inspirado outras iniciativas similares pelo Brasil afora.
Para quem trabalha com empreendedorismo social, desenvolvimento sustentável ou mesmo marketing digital voltado para turismo de nicho, o caso da estrada São João Marcos é um exemplo brilhante de como memória e inovação caminham, literalmente, lado a lado.
Pode um lugar apagado do mapa se tornar um destino de futuro?
A resposta, como mostra São João Marcos, é sim. Mas não sem esforço, não sem articulação entre setores e, definitivamente, não sem respeito à história. O que uma vez foi demolido em nome da energia hoje serve como fonte de outro tipo de poder: o poder do saber, da curiosidade, da conexão humana.
Visitando a estrada e o parque, é possível perceber como a relação com o tempo muda. Não é apenas o ontem relembrado com saudosismo, mas o hoje reconfigurado por escolhas conscientes.
Em um momento em que falamos tanto de inovação, será que não é hora também de revisitar os alicerces da nossa própria história?
Para quem deseja conhecer
O Parque Arqueológico de São João Marcos está localizado no município de Rio Claro (RJ), aproximadamente a 120 km da cidade do Rio de Janeiro. A visita é gratuita, e o local funciona de terça a domingo, com visitações guiadas mediante agendamento.
Algumas dicas práticas:
- Leve tênis confortáveis – há trilhas e pequenas caminhadas;
- Proteja-se do sol – boné e protetor solar são importantes;
- Leve água e lanches; apesar da estrutura, o ideal é estar prevenido;
- Fotografe! Mas também absorva o ambiente com os olhos e o coração.
E, acima de tudo, esteja aberto a deixar algo em troca ao sair: sua própria história entrelaçada à história deste lugar extraordinário.
Quando o passado ilumina rotas futuras
Nem toda estrada leva apenas de um ponto A para um B. Algumas, como a de São João Marcos, nos conduzem pelo tempo, nos confrontam com o valor da memória e revelam que revitalizar vai muito além de restaurar: é dar novo sentido ao que parecia esquecido.
Seja você apaixonado por história, empreendedor em busca de referências ou apenas alguém à procura de um passeio diferente no fim de semana, deixar-se levar pelos ecos dessa estrada pode ser a jornada que você nem sabia que precisava.
Até porque, como diria um antigo ditado: conhecer o caminho é parte essencial de qualquer destino.